quarta-feira, 16 de março de 2011

Metafísica: A Estrutura do Ser


por Olavo de Carvalho

            A metafísica é a mais elevada das ciências filosóficas, por lidar com problemas que transcendem e abrangem todas as dimensões do conhecimento; mas ao mesmo tempo é a mais simples, porque se cristaliza em princípios que todos os seres humanos de inteligência superior ou mediana podem compreender, uma vez superada a barreira da linguagem técnica.
            Embora o termo que a nomeia tenha surgido de uma confusão acidental entre a ordem editorial e o conteúdo dos livros de Aristóteles, ele é perfeitamente adequado para designar a matéria desta ciência, constituída pelas dimensões da realidade que vão além da esfera da “física”, no sentido aristotélico do termo, isto é, a esfera dos seres submetidos ao fluxo temporal (o sentido moderno da palavra “física” é muito mais limitado).
            Desde a Crítica da Razão Pura de Immanuel Kant (1781, completada por importante prefácio em 1787), tornou-se crença comum dos intelectuais no Ocidente que as proposições metafísicas, ultrapassando o âmbito espaço-temporal da experiência humana, não podem ser testadas e portanto só valem como juízos formais, referentes ao conhecimento que a mente tem de si mesma e não a qualquer objeto real. Mas é falso que o eterno e o infinito sejam inacessíveis à experiência humana e constituam noções puramente formais. Sua experiência apenas difere da experiência corpórea, na qual os objetos se tornam “conteúdos” da mente, submetidos portanto às leis do pensamento. O eterno e o infinito são acessíveis mediante um tipo de experiência em que a mente não absorve o objeto mas é por ele absorvida e transformada. Milhões de seres humanos tiveram experiências desse gênero, e é ridículo exigir que, para ser aceitas como conhecimento válido, elas sejam “controladas” por quem não as teve – ou, pior ainda, por quem se recuse a cumprir as condições requeridas para tê-las. Simplesmente não existem experiências universalmente comparticipáveis sem o atendimento de determinadas condições prévias, às vezes bem trabalhosas e complexas. A “experiência científica” não é mais acessível aos seres humanos em geral do que o são as experiências espirituais. A credibilidade universal de que ela desfruta hoje em dia resulta apenas de que a multidão foi adestrada para confiar em experimentos terceirizados, sem poder testá-los diretamente; e se confiança idêntica é negada às experiências espirituais, isso se deve a causas sociológicas que nada têm a ver com a validade respectiva dos dois tipos de experiências.



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